Artigo: A Polícia, a modernidade e a força

Artigo: A Polícia, a modernidade e a força

Por Eduardo Marcelo Silva Rocha *

A discussão acerca da questão do adequado emprego da força policial parece ser um longo debate que se ocorre desde a virada do século XX ao século XXI, quando se é observada de forma pouco atenta. Nada mais enganoso. Alguns pontos acerca da importância do agir republicano quando da instituição do Estado Democrático de Direito, no caso das polícias, existe desde que o modelo atual de polícia de segurança pública surgiu, ainda no século XIX.

Ao menos considerando o mundo ocidental, é a partir dos anos 1700 que os processos de urbanização se intensificam, à reboque das profundas mudanças culminantes na Revolução Industrial – a política dos cercamentos é uma delas. A fuga do campo para o entorno das fábricas cria aquele problema social que estudamos no segundo grau (ao menos os dos meu tempo!). Um dos efeitos da luta de contingentes de pessoas por direitos trabalhistas/previdenciários ou, resumidamente, apenas por comida, apresenta às cidades um novo problema: como lidar com (inexistentes até então) grupos de cidadãos (não de criminosos) coletivamente lutando por direitos como emprego ou mesmo por um prato de comida?

Se considerarmos que até o século XIX  sequer existia o conceito de segurança pública tal entendemos hoje, dado o caráter eminentemente rural das sociedades daquela época, as ameaças então existentes eram as que vinham de fora e as forças existentes funcionavam à partir de tal questão, as capazes não somente de proteger a soberania nacional, mas também capazes de criar instabilidade no seio das sociedades.

Assim, com o acelerado processo de urbanização já citado, as forças que disso tratavam logo mostraram-se incompetentes na lide com os  trabalhadores que empurrados às cidades, praticamente de uma hora para outra, começaram a exigir direitos que muitas vezes sequer existiam até então.

Neste contexto, em alguns países, após tentativa de uso das forças existentes até então (inclusive as forças armadas) estas mesmas mostraram-se incompetentes para lidar com essa novidade. Em alguns casos as forças armadas disseram que a sua missão era combater os inimigos da nação, não seus próprios concidadãos, aos quais juraram proteger, vez que suas técnicas de ação não eram minimamente adequadas.

Assim, e como estamos vendo não à toa, em fins dos anos 1700 e início dos 1800, alguns países já buscam um novo modelo de trato com as novas questões de segurança. Apesar de ser possível que a primeira tentativa institucionalizada tenha ocorrido na França ainda nos anos 1700, foi no terceiro decênio do século XIX, na Inglaterra, que surgiu a considerada primeira polícia da modernidade ou a primeira que se volta à lide com as questões de proteção aos seus cidadãos com emprego da força, mediante as novas demandas decorrentes do citado processo de urbano. Para esta(s), sua gênese decorre da ideia de que o cidadão é  quem legitima sua existência e manutenção, não podendo ser entendido em nenhuma hipótese como inimigo, pois vem a ser, exatamente, o próprio recebedor desse serviço de segurança por ela prestado.

Ao perscrutarmos os princípios que fundamentavam essa prima polícia, a Polícia Metropolitana de Londres, fundada por  Sir Robert Peel em 1829, nos é possível constatar quão antigo são temas debatidos ainda hoje.

Para Peel, o objetivo de uma polícia é prevenir o crime como alternativa à repressão; outro princípio é o entendimento de estar o Poder de Polícia ligado ao reconhecimento público e à manutenção deste respeito, que mantido reforça o laço de cooperação da própria sociedade com a força policial e que essa cooperação termina por “espiralmente” facilitar o desuso da força e da coação; Peel defendia a isenção e imparcialidade da atuação policial, assim como a moderação do  emprego da força física, sempre observando o objetivo a ser atingido; além disso, ele  lembrava que a não existe oposição entre polícia e sociedade e que a comprovação do grande mister de uma polícia está diretamente ligado à ausência de crimes e não a repressão pós crime.

Enfim , muito do que Peel pregava ainda se é discutido hodiernamente, apesar de que não podemos cair no erro anacrônico de comparar os problemas efetivos de cada época, ainda assim, percebe-se que a essência de ontem, elencada por Peel, ainda está em pauta hoje, a despeito de todo o desenvolvimento que vivenciamos até nossos dias.

Reflitamos!

* É tenente coronel da PM/SE e membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do cangaço (eduardomarcelosilvarocha@yahoo.com.br)

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